terça-feira, 16 de novembro de 2010

Consumir e investir com consciência




O que compramos? Por que compramos e onde o fazemos? Necessito "disto" ou somente o desejo?
Estas são questões que Joan Antoni Melé, sub-director do Banco ético Triodos, em Espanha, coloca nas centenas de conferências que já proferiu. O autor de "Dinheiro e Consciência: a quem serve o meu dinheiro" esteve recentemente em Lisboa, numa conferência promovida pela consultora Sustentare e pela FLAD, subordinada ao tema "Consumir e investir com consciência: o poder de escolha dos indivíduos e os novos mercados" e é possível afirmar que, quem o ouviu, decerto não pousou a cabeça na almofada da mesma forma na noite que se seguiu. Depois de ter trabalhado mais de 30 anos na banca tradicional, Joan Melé descobriu que o "mundo do dinheiro me desagradava, toda a estética bancária, a obsessão pelos lucros, a amabilidade fingida (...) sentia que ‘o meu reino não era desse mundo'".

Hoje afirma que  "o dinheiro usurpou toda a atenção da humanidade e se converteu no seu próprio deus". Não é assim surpreendente que Melé tenha optado pela banca ética, "porque o nosso negócio [no Triodos] assenta sobre a responsabilidade, a confiança, a transparência e a relação a longo prazo com os nossos clientes". Balelas, poderá o leitor concluir. Mas a verdade é que, ao contrário dos bancos tradicionais, o Triodos não foi minimamente afectado pela crise financeira. . "Nós não especulamos, mas investimos na economia real, promovendo o desenvolvimento sustentável", afirmou. É que para Melé, se os bancos se esquecem de este princípio essencial, permitindo que a pressão para aumentar os lucros e os bónus os conduza a um mundo abstracto de produtos estruturados e derivados, acabam por perder exactamente esse relacionamento com a economia real. E é por isso que propõe, nas suas conferências, que "temos de ter em conta que o sistema de mercado somos todos nós e que se alterarmos a nossa forma de pensar, de ser, de actuar e de investir o nosso dinheiro, também o funcionamento e a gestão do modelo económico sofrerá alterações".

E é por esta razão que Joan Melé convida a uma reflexão pessoal, a um despertar de consciência, primeiro individual e, seguidamente, colectiva, da forma como nos relacionamos com o dinheiro que não tem de ser o "vil metal". "Neste momento [que apelida de darwinismo económico], está-se a aplicar à economia o modelo de competição natural pela sobrevivência dos mais fortes ou dos que melhor se adaptam ao meio, o qual pressupõe necessariamente que o homem é um animal e que se comporta como tal numa sociedade em constante luta", afirma. E é por isso que propõe um novo modelo económico que seja baseado na consciência e na responsabilidade e no qual o centro da economia não seja preenchido pela constante procura do lucro - ensinado e perpetuado pelas faculdades de economia e pelas escolas de negócios - mas sim pelo ser humano. Melé alerta igualmente para o facto de o dinheiro se ter convertido num objectivo em si mesmo, num "objecto de culto" e numa religião para muitos, e que os humanos se esquecem que o dinheiro nasceu para que as pessoas se pudessem relacionar melhor pois, fundamentalmente, constitui um meio de câmbio e de intercâmbio. Uma outra realidade que sempre o impressionou foi o facto de as pessoas nunca perguntarem aos bancos o que pretendem estes fazer com o seu dinheiro.

"Alguma vez se questionou a si mesmo onde está o seu dinheiro? Que realidade social este está a gerar no mundo?", perguntou à audiência. Para o banqueiro ético, esta é a chave do que se está a passar actualmente no mundo. Afirmando que existe uma economia perversa que gera miséria, pobreza, destruição e morte e acreditando que não são os governos, nem os políticos ou outros líderes poderosos que podem mudar esta situação - nem lhes interessa - Melé exorta a sociedade civil a agir: "Toca-nos a todos, enquanto cidadãos, provocar a mudança, por uma questão de consciência ética individual e pelo exercício da liberdade", diz.

Cada um tem de começar a tomar decisões livres e independentes relativamente à utilização do seu dinheiro, pois já não é mais possível permitir que se façam coisas com esse dinheiro que, caso tivéssemos conhecimento delas, nunca as permitiríamos. Melé insiste na ideia que a economia não é para os economistas, mas sim que o seu papel é relacionar os seres humanos com a vida. "E como a economia se globalizou, está na altura de globalizar igualmente a consciência", defende. O homem que acredita que, em vez de complicar a vida, o homem se devia "implicar na vida", sublinha igualmente que não é necessário reinventar sistemas ou introduzir um novo modelo, mas somente mudarmo-nos a nós mesmos. Daí a necessária transição da economia "animal" para a "espiritual" que, para si mesmo, significa igualmente "global", pois não podemos isolar a economia do beneficio para todos os seres vivos do planeta.

Se tentarmos responder às questões formuladas no início desta peça, poderá ser o primeiro passo para alteramos a nossa noção determinista da economia e da forma como consumimos. E está na altura de tomarmos consciência que a mudança não está nas mãos dos outros, mas nas nossas. Joan Melé acredita que esta alteração não só é possível, como absolutamente necessária. Resta sublinhar que o Tríodos Bank existe em cinco países europeus e terminou o ano de 2009 com um rácio de 16% de solvabilidade.

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